quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS NO BRASIL






INTRODUÇÃO

O Brasil tem uma tradição recente de participação mais efetiva do Estado na regulação do consumo e produção de medicamentos, e historicamente o medicamento promove um encanto e fascínio em relação a seu uso – fato este demonstrado por diversos estudos. Entretanto, a indústria farmacêutica, no encalço deste encanto e fascínio, sempre busca lançar novos produtos e vender a ideia de que quanto mais novo, melhor o medicamento. Notadamente o mais novo quase sempre é o mais oneroso para o consumidor e mais lucrativo para a empresa. Na prática, o lançamento de novos produtos farmacêuticos não se traduz obrigatoriamente em eficácia ou segurança, como apontam os estudos e alguns acontecimentos envolvendo o uso de medicamentos (Figura 1). Surge a partir daí a necessidade de buscar evidências científicas sobre determinado produto, a fim de assegurar sua eficácia e segurança a custos aceitáveis.

Figura 1

PRINCIPIOS BÁSICOS DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS

Uma premissa básica do URM é a busca de evidências científicas, obtidas a partir de fontes confiáveis, que atestem as características desejadas de um medicamento: sua eficácia comprovada, a segurança assegurada e acessibilidade de custo para o paciente ou sistema de sáude.

A implementação do URM parte de três principio básico: I - a seleção criteriosa de informações relevantes - com uso de fonte de informações confiáveis e não influenciadas por interesse comerciais ou de patrocinadores, II - a seleção de informações técnicas científicas para dadas situações clínicas (farmacodinâmica, farmacocinética e farmacoclínicas), e III - qualidade das evidências sobre determinado medicamento (disponibilidade de meta-análise, ensaios clínicos randomizados, etc)

Dentro da lógica do URM, um ensaio clinico randomizado, duplo cego, controlado por placebo supera de longe a opinião de um único especialista e sua experiência clinica. A força de evidência para a ação de um medicamento depende da qualidade e da origem de sua fonte de informação. A promoção do URM permite a eleição do “Medicamento I”, que são o conjunto de medicamentos selecionados para uma dada situação clínica, escolhido segundo critérios de evidência e classificados de acordo com o grau de recomendação adotado (Figura 2):

Figura 2

O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS, A SELEÇÃO DE MEDICAMENTOS E O USO DE RECURSOS FINANCEIROS.

Quando se trata de um sistema público de saúde, ou qualquer outro ambiente onde os recursos financeiros devam ser tratados adequadamente – como hospitais, a racionalização do uso de recursos deve estar em pauta. Primeiramente é importante esclarecer quanto ao uso do termo “racional” e as confusões que ocorrem por questões de sinonímias. Alguns profissionais acabam confundidos com o termo “racional” com “racionar”, o primeiro se refere às medidas adotadas baseadas na razão ou nas evidências, e o segundo ao controle de recursos ou bens de serviços. Desta forma, o Uso Racional de Medicamento (URM) se fundamenta no uso baseado na razão, na inteligência dos fatos envolvidos, buscando promover o uso de medicamentos que tenham evidencias científicas que assegurem a sua segurança e efetividade a custos aceitáveis, e não promover a distribuição controlada.

A IMPORTÂNCIA DO URM PARA A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

Várias são as condições que apontam para o aumento das Morbidades Relacionadas aos Medicamentos (MRMs), situações estas que são precedidas por problemas de saúde vinculados a farmacoterapia, que possuem diversas causas, sendo a maioria previsível e evitável. Trata-se de um fenômeno crescente e que necessita ser enfrentado por ser uma questão social importante dentro da saúde pública como um todo. Uma forma de enfrentar as MRM´s passa pelo URM, que também colabora para questões de cunho econômico. Desmistificar alguns equívocos e fortalecer o URM fortalece a AF como um todo, em todos seus aspectos.

OS LIMITES DO URM E O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO.

Diante da ampla disponibilidade de especialidades farmacêuticas no mercado, e dos diferentes perfis de evidências dos medicamentos – além da pressão comercial da indústria farmacêutica, faz-se necessário selecionar aqueles que atendam os objetivos do URM: segurança e efetividade evidentes, dentro de uma margem de custo adequada. Esta seleção atende em média 90% dos casos indicados, e cerca de 10% da população pode não se beneficiar com e elenco de medicamentos selecionados pela prática do URM. Estes casos são as exceções, que podem ocorrer a qualquer momento. O ideal é que somente nestes casos a solicitação de medicamentos via caráter judicial se justificasse, fato comprovado pela falha no uso dos medicamentos já selecionados, o que atestaria a necessidade. O grande problema é que, pela falta de entendimento sobre os fundamentos do URM, muitos profissionais acabam criticando o sistema de saúde, e muitos usuários acabam por recorrem a justiça solicitando um medicamento que poderia ser substituído por um presente na lista de medicamentos padronizados, alegando que o tal medicamento requerido é de preferência de seu médico. Ainda conta-se com o risco de tal medicamento solicitado não ter evidência comprovada quanto à efetividade e segurança.

O enfrentamento de tal problema passa pelo entendimento e conscientização dos profissionais de saúde na defesa do URM, esclarecendo seus princípios e objetivos, e que os casos de exceção sejam tratados como tal, e que as condutas nestas situações sejam protocolares, a fim de se evitar que exceções virem regras. E que os protocolos já existentes sejam cumpridos, uma vez que se originaram a partir das premissas do URM.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Assistência Farmacêutica e o Uso Racional de Medicamentos devem ser entendidos de maneira mais fundamentada, de forma que os profissionais envolvidos fiquem sensibilizados e possuidores do perfeito entendimento desta política dentro do contexto do SUS. Alguns mitos fomentados pela publicidade da indústria farmacêutica devem ser desfeitos e que conceitos apoiados na razão devem ser mais fomentados na formação e na capacitação dos profissionais da área da saúde. O que se percebe é que o entendimento sobre a assistência farmacêutica às vezes permeia a questão puramente logística de abastecimento, e regulamentadora – num sentido quase que financeiro apenas. Promover o Uso Racional de Medicamentos, desde que seja entendido o seu verdadeiro conceito e fundamento é essencial para um Farmacêutico.

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